Refletindo sobre as nossas escolhas....
Marco Antonio Lima do Bonfim1
“Os valores não são ‘pensados’ nem ‘chamados’, mas
vividos”
(Edward Palmer Thompson)
Vivemos com certeza
num mundo de valores e por ser assim, vivemos constantemente fazendo
“escolhas”. Escolhemos o que comprar o que comer vestir... Etc. Escolhemos como
e em quê empregaremos nosso dinheiro, dentre tantas escolhas que fazemos
diariamente. Mas, você já parou para pensar como ou o quê nos leva a optar, por
exemplo, por um estilo de filme que pretendemos assistir? Se sim, concordaremos
que somos reflexivos em cada escolha que fazemos de tal forma que deveríamos
“ser responsáveis pelos sentidos que construímos para as coisas” (no mundo).
Porque nossas escolhas têm consequências, não digo boas ou más (sem essa de ser
dicotômico!), mas éticas.
Podemos mergulhar de
uma só vez nessa questão a partir de um dos filmes de Fernando Meireles, (é
aquele mesmo que adaptou o livro “Ensaio sobre a cegueira” para o cinema), “O
jardineiro fiel”. O filme se passa no contexto das questões relativas à saúde
pública no continente africano, os dois protagonistas são um diplomata britânico
(“Justin”) e sua esposa (a repórter “Téssa”). O enredo se desenvolve a partir
de uma certa “máfia” que existe entre o Governo britânico e algumas indústrias
farmacêuticas, este “acordo de gigantes” previa que tais indústrias usassem
os/as africanos/as como “cobaias” em sua empreitada “científica” testando um
suposto remédio para a cura da tuberculose. No entanto, tais testes ao invés de
reforçarem a vida, arrancaram-na da população africana com o pretexto de que
tais vacinas fossem contra a AIDS.
Enfim, não entrarei em
mais detalhes, o que nos interessa deste filme são apenas duas cenas. Na
primeira, “Justin” e “Téssa” (esta já grávida) estão em solo africano dentro do
carro, quando “Téssa” vê uma mãe africana com um bebê no colo cambaleando de fraqueza
para sua distante localidade. A esposa do diplomata pede ao mesmo para parar o
carro e dar uma “carona” para eles. Mas, “Justin” argumenta que “as Nações
Unidas estão aqui para isso. Se abrirmos exceção para um teremos que abrir para
todos”. Ora, o que se vê nesta cena nada mais é do que uma “escolha” feita por
“Justin” baseada em valores que acredita. Assim, como a vontade de “Téssa” em
ajudar os/as africanos/as está também amparada em valores outros que não os de
seu marido.
Mergulhemos um pouco
mais e vamos para a segunda cena. Nela “Justin” está em uma das comunidades
africanas “ajudadas” pela ONU quando de repente, aparecem outros povos que
invadem o lugar matando todos que lá se encontravam. “Justin”, um médico
“voluntário” e uma criança africana fogem e conseguem chegar até o Avião da
ONU, o (agora) ex-diplomata pede ao piloto para levar a criança, mas o mesmo
não aceita. “Justin” tenta suborná-lo, mas ele diz “limpo e seco”: “Aqui as
regras são essas!”. E a criança (como que obedecendo a um certo “código
social”) prossegue por “vontade própria” correndo no meio do deserto africano.
Ao contrário da outra
cena, vimos que “Justin” motivado por outros “valores” e “experiências”
escolheu significar sua atitude de outra forma. Por quê? E mais, essas tais
“regras”, a que se referiu o piloto do avião, por que são assim? Ou melhor,
porque tem que ser estas regras (sociais) e não outras?
Da forma como foram
representadas no filme, o que parece (talvez) é que estas regras não são
sociais, foram impostas do nada e “tem que ser assim se não...”. Ou seja, seres
humanos estavam (estão) sendo “cobaias científicas” de experimentos que servem
a um sistema desumano e asqueroso – o capitalismo – e tudo que podemos fazer é
“aceitar” que “as regras são essas!”?
Penso que se os
valores não caíram do céu (nem do inferno!), e se não são “pensados”, nem
tampouco “chamados”, mas “vividos” como disse o historiador inglês Edward P.
Thompson. A interpretação que podemos ter destas cenas é que nós não seguimos
regras naturais, mas aprendemos valores, valores estes que guiam nossas
escolhas que inevitavelmente terão implicações ético-políticas para nossas
vidas e para as vidas de outros sujeitos sociais que estão neste mundo vivendo
suas “experiências” das maneiras mais variadas e contraditórias.
Se refletirmos assim,
poderemos então contribuir para a (re)construção de outros valores que não
estes que por aí estão?